quinta-feira, 27 de março de 2008

Jovem francês vítima de estupro enfrenta autoridades árabes

A.r., um francês de 15 anos de idade, estava passando um excelente verão neste paraíso turístico no golfo pérsico.
Thanassis Cambanis
Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos

A.R., um francês de 15 anos de idade, estava passando um excelente verão neste paraíso turístico no Golfo Pérsico. Era o Dia da Bastilha e ele e um colega de escola escaparam do calor de julho na praia, indo a uma galeria dotada de ar condicionado.

Pouco depois do pôr do sol, A. diz que estava caminhando rapidamente para encontrar-se com o pai para o jantar quando esbarrou com um conhecido, um estudante nativo, de 17 anos de idade, aluno da Escola Americana. O rapaz disse que ele e o primo dariam uma carona a A., deixando-o em casa.

Havia, na verdade, três árabes no carro, incluindo dois ex-presidiários de 35 e 18 anos, segundo A. Ele conta que os homens passaram direto em frente à sua casa e seguiram para uma região escura no deserto, entre um conjunto de casas recém-construídas e uma usina termoelétrica. Lá, eles pegaram o telefone celular do garoto francês, ameaçaram-no com uma faca e um porrete, e lhe disseram que se ele contasse qualquer coisa, matariam a sua família.


O garoto que diz ter sido violentado por três homens em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos

A seguir, arrancaram a calça do garoto e o sodomizaram, um a um, no banco traseiro do carro. Eles deixaram A. em frente a um dos hotéis de luxo de Dubai.

A. e sua família estavam prestes a descobrir que, a despeito da fama de Dubai, que é considerado um modelo de modernidade e riqueza no mundo árabe, e da sua reputação de proteger os investidores estrangeiros, o seu sistema judicial criminal continua perigosamente arcaico quando se trata de homossexualidade e proteção de estrangeiros.

As autoridades não só desencorajaram A. a fazer denúncias na Justiça, como também levantaram a hipótese de acusá-lo de atividade homossexual criminosa, além de terem deixado, durante semanas, de informar a ele e aos seus pais que um dos seus agressores havia sido identificado como HIV positivo quatro anos antes, quando estava na prisão.

"Eles tentaram amenizar a história", contou A. por telefone da Suíça, para onde seguiu há um mês, a fim de cursar o segundo ano do segundo grau, temendo ir para a cadeia em Dubai caso fosse acusado de atividade homossexual. "Eles dizem que Dubai constrói os prédios mais altos, e que lá estão os melhores hotéis. Mas toda a mídia esconde a verdade. Eles não querem que o mundo saiba que Dubai ainda vive na Idade Média".

A. e os seus pais dizem que decidiram se manifestar publicamente sobre o caso na esperança de que isso pressione as autoridades a processar os estupradores. A lei dos Emirados Árabes Unidos não reconhece o estupro de homens; somente um crime chamado "homossexualidade forçada". Os dois homens adultos acusados de terem atacado A. sexualmente negaram qualquer culpa, apesar do esperma de todos os três ter sido encontrado no garoto. Os dois adultos compareceram ao tribunal na quarta-feira (31/10) e tiveram um advogado colocado a sua disposição. Eles serão julgados em um tribunal composto por três juízes em 7 de novembro. O terceiro, que é menor de idade, será julgado em um tribunal juvenil. Especialistas em direito dizem que homens condenados por atacarem sexualmente outros homens geralmente são submetidos a penas de prisão que variam de alguns meses a dois anos.

Dubai é um centro financeiro e turístico próspero, sendo um dos sete Estados que compõem os Emirados Árabes Unidos. Pelo menos 90% dos moradores de Dubai não são cidadãos do país, e muitos afirmam que a jornada legal kafkiana de A. traz nitidamente à tona questões relativas ao tratamento desigual dispensado aos estrangeiros aqui, questões que têm sido discretamente discutidas entre a maioria oriunda de outros países. O caso está recebendo cobertura da imprensa local.

Ele também sublinha os tabus em torno do HIV e da homossexualidade, que, segundo os moradores de Dubai, permitem o assédio dos gays e encorajam o sistema de saúde a tratar a infecção pelo HIV praticamente em sigilo (segundo a lei dos Emirados Árabes Unidos, estrangeiros portadores do HIV, ou aqueles condenados por atividade homossexual, são deportados).

Os promotores daqui rejeitam tais acusações. "O sistema legal e judicial dos Emirados Árabes Unidos não faz distinção entre nacionais e estrangeiros", garantiu em uma entrevista Khalifa Rashid Bin Demas, diretor do departamento técnico da procuradoria geral de Dubai. "Todos os moradores são tratados igualmente".

O milagre econômico de Dubai - décadas de crescimento de dois dígitos estimulado por investidores, companhias estrangeiras e trabalhadores atraídos pelo sistema sem impostos que vigora no país - depende de milhões de estrangeiros que trabalham em empregos que abrangem desde o setor de construção civil até o círculo de altos executivos financeiros. Até mesmo vários dos advogados nos tribunais são estrangeiros.

O caso de A. gerou tensões diplomáticas entre os Emirados Árabes Unidos e a França, que reclamou oficialmente da aparente ocultação da condição de HIV positivo de um dos estupradores e de outras irregularidades. A tensão, juntamente com a crescente publicidade em torno do caso, parece ter motivado as autoridades a agir.

Demas, do departamento da procuradoria geral de Dubai, disse que não tem intenção de processar A., e que está buscando a pena de morte para os dois estupradores adultos. "Este crime é um insulto à nossa sociedade", afirmou ele.

No entanto, o processo de investigação do caso de A. e duas correspondências diplomáticas francesas confidenciais obtidas pelo "New York Times" confirmam o comportamento inexplicável, e por vezes hostil, das autoridades do país árabe, conforme denunciaram A. e os seus pais.

"As graves deficiências ou incoerência da investigação parecem resultar, em parte, da enorme incompetência dos serviços envolvidos nos Emirados Árabes Unidos, mas também dos preconceitos morais, pseudocientíficos e políticos, que indubitavelmente influenciaram o inquérito", escreveu o embaixador francês nos Emirados Árabes Unidos em uma correspondência confidencial datada de 6 de setembro.

"O que mais enfurece A. e a sua mãe, Veronique Robert, é o fato de a polícia ter informado erroneamente a diplomatas franceses em 15 de agosto, um mês após o ataque, que os três agressores não eram portadores de doenças", disse o diplomata.

Somente no final de agosto a família descobriu que o estuprador de 36 anos era portador do HIV. O processo sobre o caso contém um exame com resultado positivo para o HIV datado de 26 de março de 2003.

"Eles mentiram para nós", denuncia Veronique Robert. "Agora a Aids, como a espada de Dâmocles, paira sobre A.".

Até o momento o adolescente não contraiu o HIV, mas ele não poderá ter certeza de que não foi infectado até janeiro, quando fará outro exame de sangue, seis meses após a exposição ao vírus.

Um médico examinou A. na noite do estupro, colhendo amostras de DNA para a obtenção de traços do esperma dos estupradores. Ele não fez exames de sangue nem examinou A. com um espéculo. Depois, ele saiu da sala e disse a A.: "Eu sei que você é homossexual. Pode confessar para mim. Eu posso afirmar isso".

A. disse chorando ao seu pai: "Eu acabei de ser estuprado por três homens, e ele está dizendo que eu sou homossexual", segundo entrevistas concedidas por ambos.

O médico, um egípcio, escreveu no seu relatório que não encontrou evidências de penetração forçada, o que, segundo a família de A., é uma declaração falsa que pode prejudicar o processo contra os agressores.

No início de setembro, depois que a família ficou sabendo que o estuprador mais velho era HIV positivo e o governo francês protocolou reclamações junto às autoridades dos Emirados Árabes Unidos, o departamento da procuradoria geral de Dubai designou um novo procurador para o caso. Só então foram realizados exames de perícia para confirmar que esperma dos três agressores foi encontrado em A.

A. permaneceu em Dubai para testemunhar contra os agressores, e voltou à escola em setembro, apesar de sofrer de recordações preocupantes do ataque.

No entanto, segundo a família, no início de outubro, o advogado advertiu A. que ele corria o risco de enfrentar acusações de homossexualidade, e de ser condenado a um ano de prisão.

Advogados experientes daqui dizem que o sistema judicial está evoluindo, assim como todo o sistema de governo do país, que modernizou-se depois que a economia e a população cresceram de forma explosiva em apenas algumas décadas. Apesar dos seus problemas, os Emirados Árabes Unidos misturam os valores islâmicos às melhores práticas do Ocidente para criar "o mais moderno sistema legal entre os países árabes", afirma Salim Al Shaali, um ex-policial e promotor que atualmente pratica direito criminal.

Nos negócios e nas finanças, a nação se empenhou em conquistar a reputação de contar com uma justiça rápida e imparcial. Mas o sistema de justiça criminal deixa a desejar, contando com um código penal baseado na cultura conservadora local árabe e islâmica, aplicada a uma população estrangeira majoritariamente não árabe.

Um empresário gay de 42 anos de idade, que falou à reportagem com a condição de que fosse identificado apenas pelo apelido, Ko, descreveu o assédio rotineiro que sofre por parte das autoridades nos 13 anos que vive no país.

Embora aqui as vítimas de estupro geralmente mantenham silêncio, algumas delas denunciaram os seus casos nos últimos dias no website criado pela mãe de A., www.boycottdubai.com.

Veronique Robert acredita que os promotores só deram continuidade ao processo contra os agressores do seu filho depois das pressões públicas e das reclamações diplomáticas. Agora ela espera que essa atenção possa proporcionar uma justiça mais humana e equilibrada para as futuras vítimas de estupro em Dubai.

Aconselhado pelo seu advogado e por diplomatas franceses, A. diz que não retornará a Dubai, mas afirma que deseja muito ver os homens condenados.

"Às vezes parece que vou ficar louco, sabia?", disse ele. "É difícil, mas precisamos ser fortes. Estou fazendo isso por todas as pobres crianças que foram estupradas e não podem fazer nada a respeito".

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