Um coelho empenhado em dizer a seu pai o quanto o quer bem
É possível mensurar o quanto gostamos de alguém? Há como dizer em que grau o som de sua voz e o calor de sua pele nos fazem falta ou com que intensidade queremos seu bem? O curioso é que, mesmo quando temos certeza da imensidão do sentimento que nos invade, muitas vezes surge o desejo -– e o desafio -– de oferecer ao outro as dimensões desse afeto. Surgem daí os diálogos entre apaixonados que, depois de um beijo e antes de um carinho, se divertem contabilizando o querer. E também as conversas de pais e filhos pequenos que calculam o amor de formas às vezes curiosas – por meio de braços abertos, de gigantes enfileirados ou estrelas que nem existem mais (das quais só restaram o brilho que ainda vislumbramos no céu negro).
É com essa idéia de quantificar o amor que brinca o livro Adivinha o quanto eu te amo, de Sam McBratney, delicadamente ilustrado por Anita Jeram. Publicado originalmente em Londres e lançado no Brasil pela Martins Fontes, o livro tem como personagem um coelhinho empenhado em dizer ao seu pai o quanto gosta dele: ‘“Eu te amo a altura do meu pulo!’, riu o Coelhinho saltando para lá e para cá. ‘E eu te amo a altura do meu pulo’, riu também o Coelho Pai, e saltou tão alto que suas orelhas tocaram os galhos da árvore”. O diálogo prossegue nessa linha e, para felicidade do filhote, resta-lhe uma certeza antes de fechar os olhinhos cheios de sono e adormecer em sua cama de folhas: ele é ouvido e querido.
O livro, ilustrado em tons de aquarela, pode ajudar crianças e adultos a falar sobre sentimentos – uma tarefa nem sempre fácil. Afinal, talvez não seja por acaso que nos consultórios psicológicos os profissionais ouçam com tanta freqüência o desabafo de pacientes adultos que, de alguma forma, se ressentem por jamais ter escutado um “eu te amo” de seus pais. Não raro, na vida adulta muitos se debatem diante do desejo de pronunciar essas palavrinhas com aura mágica a seus companheiros, amigos queridos, pais e até aos próprios filhos, mas se sentem incapazes de dizê-las, temendo parecer exagerados – ou até mesmo ridículos.
Ao longo da terapia a maioria dessas pessoas reconhece o que foi impossível aos adultos que os criaram: expressar em palavras o que sentiam. Eles, sem dúvida, demonstraram dedicação e desvelo de outras maneiras, embora às vezes inadequadas ou insuficientes por pura impossibilidade de fazer algo melhor. Para algumas dessas pessoas, superar a barreira do que não lhes foi dito e encontrar as próprias palavras para contornar afetos são uma verdadeira libertação.
Gláucia Leal é jornalista, psicóloga, psicanalista e editora de Mente&Cérebro.
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