Texto: Adriana Bernardino
Quem já não viu o desenho animado em que Pateta sai de casa cantarolando uma canção, entra no carro e, após algumas aceleradas, transforma-se na mais agressiva das criaturas? Ou melhor: quem já não viveu essa transformação? A cena é uma boa caracterização para o homem ao volante, que vivencia diariamente seu lado Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Ora médico ora monstro, todos estamos sujeitos a revelar no trânsito nosso lado B ou sombra, para usar a definição do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung. Negada, reprimida, ignorada pela consciência, a sombra encontra nas situações de estresse sinal verde para assumir a direção e causar as conseqüências que estamos habituados a ver e das quais todos somos vítimas – de uma simples discussão a acidentes e mortes violentas.
Manual do proprietário – o que é sombra?
Ponto cego do retrovisor, buraco repentino do qual não se desvia, a sombra é nosso carona invisível, faceta que negamos, não vemos e não queremos ser. Nela habitam todos os aspectos reprimidos da personalidade, tanto negativos quanto positivos.
“A sombra é aquilo que já fiz e reprimi ou tenho potencial para fazer, aquilo que não se elege como principal na vida. Passa pelo que não temos desejo de ser nem gostaríamos que as pessoas vissem de nós”, diz o psicoterapeuta junguiano, Ascânio Jatobá de Almeida Soares.
Depois de agir sob influência da sombra, é comum ouvir lamentações como: “não era eu”, “eu estava fora mim”. Vale perguntar: se não você, quem era? De quem se trata esse outro? Onde está quando não em si?
“Somos múltiplas personalidades. Ao volante, está o ego, centro da consciência. É como dirigir um microônibus cheio de passageiros, cada qual querendo assumir a direção e seguir o próprio caminho. Os passageiros são outras partes de nós mesmos, que têm vontade própria. Entre eles, está a sombra”, explica Soares. “Essa diferença pode ser facilmente reconhecida, por exemplo, quando queremos abandonar um vício ou comportamento. Um lado diz: pare de fumar; enquanto outro argumenta: será só mais um...”.
GPS – como encontrar sua sombra?
“De pequenas fraquezas (como disparar resmungos no trânsito) a forças verdadeiramente maléficas – a ponto de matar outro motorista ou pedestre –, a sombra pode revelar complexos reprimidos, aspectos imaturos da personalidade”, diz o psicoterapeuta.
A sombra pode ser identificada pelas fortes emoções que desperta, geralmente com sentimento de raiva, ódio, medo e descontrole com pessoas do mesmo sexo. Pode aparecer também como atriz no palco dos sonhos, simbolizada no tipo físico oposto ao do sonhador, um irmão ou alguém que seja muito próximo.
O psicoterapeuta sugere dois bons exercícios para começar a perceber os aspectos de sua sombra:
Espelho – preste atenção às críticas mais freqüentes e duras que faz a outros motoristas. Não as críticas banais, mas as sistemáticas e que lhe tiram do sério. Provavelmente, o seu julgamento diz mais sobre você mesmo do que sobre ele. O exercício pode se estender a outros campos da vida. Temos tendência a criticar no outro o que não queremos enxergar em nós mesmos.
experimente fazer uma listas de suas virtudes como motorista e como pessoa. Ao lado, faça outra com características opostas às que acabou de descrever. Você terá uma prévia do que está guardando a sete chaves no insconsciente. Antes de investir contra alguém, pense que aspecto de sua personalidade está sendo revelado por ele.
Pisca alerta: o que fazer com a sombra?
Segundo Jung, “todo homem tem uma sombra e, quanto menos ela se incorporar a sua vida consciente, mais escura e densa ela será. De qualquer modo, ela forma uma trava inconsciente que frustra nossas melhores intenções”.
Autoconhecimento é um dos caminhos mais certeiros para se relacionar com a própria sombra. “Uma boa técnica é dialogar com ela, na forma de escrita. Identifique, por exemplo, uma situação que lhe tira do sério ao volante. Imagine que esse que ‘sai de si’ é um outro. Reserve um tempo em que não seja incomodado e – com papel e caneta ou no computador – escreva um diálogo com ‘ele’. Pergunte quem é, o que sente, por que age de determina forma etc. Deixe fluir”, recomenda Soares.
E antes da próxima discussão quando estiver dirigindo, lembre-se: você nunca sabe o que a sombra do outro é capaz. Por isso, evite provocá-la.
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