sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Estranho, porém verdade: quanto menos dormimos, mais sonhamos

Perder uma noite de sono turbina os sonhos da noite seguinte
por Christie Nicholson


SONECA DIFÍCIL: Um voluntário pode ser acordado 40 vezes em uma noite para se estudar os efeitos da privação do sono

Três anos atrás, Eva Salem se meteu numa encrenca com um crocodilo. Sua mão ficou presa nas mandíbulas mas, mesmo em pânico, ela conseguiu acertar o animal e se livrar dele. Então ela acordou.

“Acho que é isso que acontece quando você é uma heroína. Meus sonhos eram assim... vívidos, malucos e movimentados” ela conta. Salem era mãe de primeira viagem e vinha amamentando sua filha por cinco meses antes do sonho do ataque do crocodilo, dormindo apenas quatro horas por noite. Quando ela dormia uma noite inteira, os sonhos eram tão animados que Salem tinha a sensação de não ter dormido nada!

Sonhos são absurdamente persistentes. Perca algumas horas de sono e o seu cérebro irá computar que você está devendo sonhos – e vai querer acertar as contas assim que você fechar suas pálpebras.

“Quando alguém não dorme o suficiente, o sono se torna mais intenso, o que significa uma grande atividade cerebral durante o sono; os sonhos se tornam mais numerosos e mais vívidos” diz o neurologista Mark Mahowald, da University of Minnesota, e diretor do Minnesota Regional Sleep Disorders Center, em Minneapolis.
Este fenômeno é chamado de rebote do sono REM. O REM ou “rapid eye moviment” (movimento rápido dos olhos) se refere aos movimentos rápidos e bruscos dos olhos enquanto estamos dormindo. É o estado em que sonhamos mais intensamente e nossa atividade cerebral é misteriosamente semelhante àquela quando estamos despertos. Ao mesmo tempo, nossa musculatura fica inativa e nós nos encontramos paralisados. O dedão pode até sacudir, mas basicamente não podemos nos mover, uma vez que o cérebro protege nosso corpo para que ninguém tente colocar na prática aquilo com que está sonhando.

O sono está dividido em REM e quatro estágios não-REM, cada um com uma freqüência distinta de atividade cerebral. O primeiro estágio não-REM é o período inicial em que o indivíduo não está nem dormindo, nem acordado e que às vezes é interrompido por uma sensação de estar caindo em um buraco. No segundo estágio, o cérebro diminui o ritmo e mantém apenas algumas atividades. Nos estágios três e quatro o cérebro praticamente desliga e entra em um período de dormência durante o qual as freqüências cardíaca e respiratória diminuem dramaticamente.

Só depois de 70 minutos de sono não-REM é que entramos no primeiro período de REM, que dura apenas cinco minutos. O ciclo não-REM – REM é de mais ou menos 90 minutos. O padrão se repete em média cinco vezes ao longo da noite. Mas conforme a noite vai passando, os estágios REM aumentam e os não-REM diminuem, resultando em um período de 40 minutos de sonho, pouco antes da hora de despertar.

O único modo dos cientistas estudarem a privação do REM é por meio de torturantes privações de sono. “Acompanhamos o eletroencefalograma e, quando observamos que o paciente, o despertamos”, explica o psicólogo Tore Nielsen diretor do Dream and Nightmare Lab do hospital Sacré-Coeur, em Montreal. “Assim que você começa a privá-los do o REM, a pressão para voltar a essa fase aumenta”. De vez em quando, Nielsen tem que acordar o indivíduo estudado 40 vezes em apenas uma noite, pois a fase REM se inicia instantaneamente assim que ele adormece.
É claro que também existe o rebote não-REM, mas o cérebro dá prioridade às ondas lentas de sono e então ao REM, o que indica que os estados são independentes entre si.

Em 2005, em um estudo publicado na “Sleep”, Nielsen demonstrou que perder 30 minutos de REM em uma noite pode levar a um aumento de 35% de REM na noite seguinte. Os indivíduos saltaram de um sono REM de 74 minutos para um rebote de sono REM de 100 minutos.

Nielsen também descobriu que a intensidade dos sonhos aumenta com a privação do estágio REM. Os indivíduos estudados que tiveram apenas 25 minutos de sono REM classificaram seus sonhos entre 8 e 9 em uma escala de 1 a 9 – 1 era “sem graça” e 9, “muito intenso”.

É claro que a privação da fase REM e seu subseqüente rebote são muito comuns também fora do laboratório. O álcool e a nicotina têm a capacidade de suprimir a fase REM. Remédios reguladores da pressão sangüínea, assim como antidepressivos, também são conhecidos supressores de REM (sem sonhos, a depressão curiosamente desaparece). Quando os pacientes suspendem os medicamentos, são recompensados com um rebote assustador.
Porém, a persistência do sono REM nos leva a uma nova questão: pra que insistir tanto? Quando ratos ficam sem a fase REM por quatro semanas, cabam morrendo (a causa da morte permanece desconhecida). Mesmo passando um período equivalente a 27 anos sonhando, durante toda a nossa vida, os cientistas ainda não chegaram a um consenso para as razões de sua importância.

O psiquiatra Jerry Siegel, chefe do Centro de Pesquisas do Sono da University of California em Los Angeles, provou recentemente que alguns mamíferos como golfinhos e baleias não possuem REM. “Morrer por falta de REM é ficção”, diz Siegel. “Isso nunca foi observado em outras espécies, apenas em ratos”.

Algumas teorias sugerem que o REM ajuda a regular a temperatura corporal e os níveis dos neurotransmissores. Existe também evidência de que sonhar ajuda a consolidar as memórias. Os bebês e os fetos passam 75% do tempo que dormem em estado REM. Por outro lado, experiências mostram que ornitorrincos são os animais com a maior fase REM. Os pesquisadores tentam descobrir o porquê já que, de acordo Mahowald, “Ornitorrincos são estúpidos Que tipo de memória eles precisam consolidar?”

Mas, supondo que os ratos passam a fase REM sonhando com labirintos iguais aos do laboratório, alguns pesquisadores acreditam que deve existir alguma função ou informação significativa nos sonhos.

John Antrobus, professor aposentado de psicologia e pesquisador do sono do City College of New York, afirma que o conteúdo do sonho está vinculado a nossas ansiedades. No entanto, ele nunca comprovou a extrema vivacidade no rebote do sono REM que outros assumem existir com base no alto nível de atividade cerebral, que provavelmente possa significar sonhos cheios de ação.

“O cérebro é um órgão interpretativo, e quando as regiões estão menos conectadas, como durante o sono, temos sonhos bizarros” ele explica. Mas qual é o propósito? “Para isso temos que nos perguntar qual é o propósito do pensamento. Não podemos responder uma pergunta sem responder a outra”.

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