Ficar com os melhores
Com a expansão da economia brasileira, empresas enfrentam os desafios de manter em seus quadros de lideranças executivos aptos a garantir o crescimento dos negócios, evitar vagas ociosas e identificar seus novos líderes
Udo Simons
Em 2007, a CPFL Energia instituiu como ação empresarial um programa batizado de CPFL Management, principal ferramenta de desenvolvimento para os cerca de 250 gestores executivos da empresa. A ação, fruto da área de RH, veio como resposta aos anseios de negócios da holding, criada em 2002 e que precisava se reestruturar para acompanhar os desafios de crescimento do setor elétrico no país. O objetivo do projeto é identificar as competências essenciais em seus colaboradores para garantir a evolução dos trabalhos propostos dentro da filosofia de negócios da empresa e, por conseguinte, ampliar sua atuação no mercado e evitar perdas financeiras caso mantenha, nos postos de lideranças, profissionais inadequados ou tenha vagas ociosas.
A iniciativa da empresa de energia exemplifica uma tendência cada vez maior no mundo corporativo, verificado em multinacionais ou não: a capacitação de seus dirigentes como forma de retenção profissional e a garantia de desempenho de sua oferta de trabalho - que deve estar em sintonia com as expectativas dos negócios.
Reis Neto, da Franquality: o RH que não antecipa cenários será um departamento fraco
Hoje, o setor produtivo brasileiro vive uma questão, considerada por muitos, inesperada há cerca de cinco anos: a carência de profissionais adequados ao preenchimento das vagas de lideranças existentes. "Até o final da década de 90, a política empresarial brasileira era a de redução de custos. Cortar vagas para aumentar a produtividade", afirma Almiro Reis Neto, diretor da consultoria Franquality.
Atualmente, nas mais diversas áreas de atuação, as empresas expandem suas atividades e, com isso, precisam encontrar formas de competitividade para se manter no mercado. Nesse momento, lideranças capacitadas fazem a diferença. E o trabalho dos gestores de recursos humanos é fundamental para garantir o futuro das organizações. "O RH que não antecipa cenários, que não prepara os executivos para os desafios, será um departamento fraco", destaca Reis Neto. E quando se fala em antecipação de cenários, entenda-se, também, imaginar quem serão os líderes que vão ocupar os postos-chave da empresa e aqueles que deverão dar lugar aos novos.
Para evitar gaps (e perdas) com a possível saída de diretores das organizações, é preciso organizar continuamente ações como programas de coaching, mentoring, planos de capacitação, definição das competências exigidas para cargos, assessment dos executivos, entre outros. Aliás, fazer um levantamento da performance e das competências do profissional é um dos passos fundamentais para identificar quem está apto ou não a assumir uma determinada posição - no entanto, não são todos que aceitam de maneira tranqüila passar por processos de avaliação para identificar esses aspectos.
Alvarez, da Kienbaum-Keseberg: falta gente e as empresas precisam desenvolver pessoas mais rapidamente
Não existem pesquisas que apresentem números exatos sobre os prejuízos causados pela criação de vagas ociosas entre os cargos de diretoria. As perdas dependem do período pelo qual a posição fica em aberto, da contratação inadequada, ou do despreparo revelado ao longo do tempo de uma vaga desse nível preenchida erroneamente. Podem variar de centenas a milhares de reais. Entretanto, é consenso, no mundo empresarial, que não há espaço para essa inadequação. "Falta gente e as empresas precisam desenvolver pessoas mais rapidamente", assinala Fausto Donini Alvarez, sócio-diretor da Kienbaum-Keseberg & Partners.
Uma prova dessa preocupação em identificar profissionais para esses postos-chave pode ser medida pelo crescimento no volume de avaliações das competências de executivos (competence check) da Kienbaum-Keseberg, que passou de 4 mil, em 2006, para 12 mil em 2007.
Independentemente do nome ao qual uma consultoria ou empresa batize o processo de acompanhamento de dirigentes, o importante é conseguir identificar na ação a potencialidade de trabalho dos avaliados e sua condição de contínuo aprendizado das tendências de mercado. Dentre as novas competências exigidas atualmente pelas empresas aos cargos executivos estão a capacidade de influenciar pessoas, facilidade para promover mudanças, bom desenvolvimento de redes de relacionamentos, flexibilidade intercultural. "Empresários, acionistas e gestores da área de RH estão mais preocupados com resultados ou obtenção de melhorias permanentes para evitar deterioração e o colapso do negócio", diz Alvarez. Ele faz um alerta. "No Brasil, muitos tendem a 'planecução' - ao mesmo tempo em que planejam, executam. É preciso planejar de forma estruturada para evitar a formação de cenários malfeitos."
O laboratório suíço Novartis, criado em 1996 pela fusão da Ciba-Geigy e a Sandoz, pode ser considerado um exemplo de planejamento para garantir à empresa a manutenção de um quadro de dirigentes sempre pronto a desempenhar resultados em consonância às suas expectativas de negócio. A empresa mantém, por exemplo, um plano de sucessão intitulado Ready Now. Ou seja, uma ação que identifica entre todos os seus funcionários, espalhados em seus escritórios, nos mais diversos continentes, aqueles com capacidade técnica para ocupar função hierárquica superior, ou uma posição similar em outros departamentos no seu país de origem, ou até em outros países.
Há níveis de identificação entre as qualidades de seus colaboradores: os capazes de assumir uma posição de forma imediata; outros que estarão aptos em cerca de dois anos; e, ainda, demais funcionários com comprovada capacidade de aprendizado, portanto, com possibilidade de apresentar bom desempenho de liderança e gerenciamento em uma perspectiva de três a cinco anos.
Hoje, dos 10 cargos de direção da empresa no Brasil, oito são ocupados por funcionários "crias da casa", como ressalta a diretora de RH do laboratório, Paula Traldi. Os dois restantes vieram de posições internacionais do grupo. "É uma política nossa valorizar o colaborador. Existe uma mobilidade interna entre as áreas. Procura-se dar chance ao talento individual de cada um", ressalta. Porém, não é descartada a contratação de um profissional de mercado. "Há uma estratégia mista na formação do quadro de colaboradores. Essa prática oxigena o negócio. Não perdemos a chance de trazer para nossos quadros um bom executivo vinculado a outras empresas", garante Paula.
Paula, da Novartis: não perdemos a chance de trazer para nossos quadros um bom executivo vinculado a outras empresas
Entretanto, na Novartis identificar e desenvolver potencialidades de seus colaboradores é um processo de business, ampliado nos últimos anos, e não apenas uma ferramenta de gestão de pessoas. A empresa cria um Mapa de Talentos entre seus funcionários e lança mão dessa prerrogativa para o preenchimento das vagas. Com isso, existe fluxo de colaboradores entre todos os escritórios distribuídos pelo mundo. "Temos brasileiros em cargos de direção, atualmente, nas Américas, Europa e Ásia. Ao todo, são 27 em posições-chave. Assim como estrangeiros ocupando posições de liderança no Brasil", destaca Paula. "Quando o presidente geral do grupo está em sua sala, na Suíça, ele ressalta as competências das pessoas para desempenhar as funções necessárias e não a nacionalidade de cada um", lembra.
Para atingir esse grau de profissionalismo no remanejamento de funções, chamado pela Novartis de Escada de Movimento, a empresa organiza de três em três meses pesquisas de clima organizacional. Além disso, ela estrutura, dentro do programa Organization and Talent Review (OTR) [sigla em inglês para Organização e Talentos Revistos], uma série de relatórios de acompanhamento do desempenho profissional de cada um. "No OTR, focamos as pessoas e a estrutura da empresa. Há o comprometimento com o processo de desenvolvimento individual e com o sucesso nos negócios", declara o gerente de recrutamento da Novartis, Luiz Bueno.
Aliás, no processo de avaliação dos funcionários, o RH da Novartis é, segundo eles, um departamento de auxílio aos demais. "É de responsabilidade de cada dirigente zelar pelo aprimoramento profissional dos seus colaboradores", diz Bueno. Essa afirmação pode ser traduzida por números. Os dirigentes podem perder 20% de seu bônus caso falhem em cumprir metas voltadas a despertar o talento nos colaboradores.
Análise individual
As medidas internas da Novartis são algumas das possíveis para transformar ações de gestão de pessoas em resultados concretos, mas não as únicas. Existem outras como, por exemplo, a metodologia que prevê a análise individual de cada executivo para a montagem de um modelo de competências definidas de acordo com a natureza de negócios da empresa, após estudo das informações validadas em conjunto com os gestores. Definem-se, entre outros aspectos, competências-chave para os que trabalham nas áreas industriais, comerciais e de serviços, em que são verificados atributos como: capacidade de influir e promover mudanças; cooperação; comunicação; foco no cliente; liderança de equipes; visão estratégica; atitude empreendedora; domínio dos processos; capacidade de aprender; e visão do mercado, por exemplo.
Com os requisitos acima devidamente implementados, gera-se uma avaliação com notas individuais a cada profissional. Os piores avaliados são os que não apresentam o mínimo esperado naquela competência. Já os com resultados melhores estão mais aptos ao trabalho. O resultado propicia gráficos com zonas de carreira de acordo com a idade e experiência dos funcionários, que serão classificados em faixas de ótimo aproveitamento ou até mesmo aqueles que se encontram na chamada "zona de alerta", estagnados, por acumularem as mesmas experiências ao longo do tempo sem buscar autodesenvolvimento. Com os dados em mãos, a organização pode saber se tem ou não condições para atingir seus objetivos e identificar possíveis melhorias, ou até mesmo efetuar renovações no quadro de funcionários. "É como se colocássemos uma régua em cima dos desafios, facilitando a identificação de possíveis metas e formas de atingi-las", comenta Alvarez.
Essa fórmula é semelhante à implementada pela CPFL Energia para acompanhar os resultados de seus executivos. Do Programa de Management, implementado em 2007, surgiu o Plano de Sucessão, um assessment no conjunto de líderes da empresa. Em resumo, ele estrutura-se para identificar: as competências básicas necessárias para as funções e dos executivos; o desenvolvimento de recursos-chave da organização (neste caso, a carreira profissional); e o autodesenvolvimento, entre outros. Para verificar esses itens, a empresa contrata consultores externos e realiza pesquisas internas organizacionais, avaliações anuais, feedback periódico. "Por meio dessas ferramentas, são constatadas aderências e gaps aos planos da holding. Com os resultados dessas avaliações em mãos, definem-se os rumos estratégicos necessários para a melhora dos negócios", comenta Arlindo Casagrande Filho, diretor corporativo de RH da empresa.
Incentivo a mais
Casagrande Filho, da CPFL Energia: a idéia de amor à empresa já não existe mais
Há mais de 25 anos atuando na área de RH, Casagrande Filho aponta algumas das modificações vividas no Brasil nos últimos 10 anos nesse setor. Segundo ele, "mudanças assustadoras", principalmente no setor elétrico, um dos que mais crescem em todo o mundo nos últimos tempos. "O impacto da tecnologia é fundamental para a compreensão das modificações. A velocidade das decisões também tomou outra proporção. Reter bons executivos, face à competitividade é dificílimo. Por fim, a idéia de amor à empresa já não existe mais", pontua.
Na busca de sanar entraves colocados pela dinâmica de mercado, uma das fórmulas encontradas pela CPFL para reter seus melhores quadros é a de incentivar os estudos, possibilitar continuidade formal ao aprendizado. Um exemplo: em maio deste ano, a diretora de planejamento estratégico da empresa, Adriana Waltrick, iniciou curso de especialização no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA. Adriana é a primeira funcionária do grupo a viajar para esse que é um dos mais renomados centros de pesquisa e educação no mundo, a partir de um acordo com seus superiores. Em licença sem remuneração da empresa, até junho de 2009, término dos seus compromissos acadêmicos por lá, os custos da sua estada e alimentação são providos pela CPFL. "Temos uma política de suporte à educação há cerca de quatro anos. Com isso, queremos estimular as pessoas ao autodesenvolvimento. Afinal, o dono da carreira é o próprio profissional", atesta Casagrande Filho - que, inclusive, reconhece a possibilidade da perda da funcionária para a concorrência. "Ela está numa importante vitrine educacional. Mas acreditamos que investir num talento como o dela é imprescindível para nosso aprimoramento." A empresa mantém, ainda, sete programas de MBA abertos aos funcionários em parceria com duas instituições de ensino, a Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Ibmec.
Outra ação da CPFL Energia para dirimir possíveis situações geradas com vagas ociosas nos cargos executivos é a de encontrar em sua base de colaboradores futuras lideranças. Internamente, há um programa chamado Performer com Potencial, uma ação de gestão de pessoas que visa, como outros programas, a identificação dos colaboradores com potencial para vagas superiores a sua. "Nos próximos cinco anos, existe uma média de 15% de executivos que vão se aposentar na empresa. Trabalha-se desde já para encontrar, no atual quadro de funcionários, possíveis substitutos", revela Casagrande Filho.
Como as intensas mudanças no mercado de trabalho brasileiro são vividas em vários setores da economia, mais um exemplo de empresa preocupada com o desenvolvimento do talento dos seus colaboradores é a Oi. Autodenominada como primeira empresa quadriplay do país, ou seja, com atuação em transferência de dados, telefonia, internet e televisão, a Oi, criada em 2002, aposta no recrutamento interno como forma de reconhecer e promover aqueles que se destacam no trabalho. Segundo sua gerência de relação dos trabalhos, maneira pela qual denomina o departamento de recursos humanos, 44% dos postos abertos foram ocupados mediante promoções internas, somente no ano passado.
Segundo a empresa, seus colaboradores percebem o recrutamento interno como oportunidade de crescimento ou redirecionamento de carreira num processo completamente transparente, com todas as vagas anunciadas na intranet. E mais: os interessados podem participar sem ter de pedir autorização aos seus superiores. A companhia estimula, inclusive, a troca de áreas, sendo comum encontrar pessoas promovidas a cargos completamente diferentes dos quais ocupavam anteriormente. Abre-se, assim, um maior leque de possibilidades de ascensão, de acordo com a gerência.
Consultores, gestores e diretores são escolhidos, prioritariamente pela Oi, pelo Assessment Executivo, o programa definido por eles para as avaliações das vagas oferecidas entre as lideranças. Nesse nível, após as tradicionais etapas do processo seletivo, todas as promoções são validadas por um comitê executivo, formado por membros da diretoria. Os dados do Assessment Executivo deles mostram quanto é possível encontrar "em casa" talentos com condições de assumir cargos de gestão: 76% das vagas recentemente abertas foram preenchidas por candidatos da própria empresa. Tanto no Assessment Executivo, quanto no Recrutamento Interno para as demais vagas, todos os candidatos recebem feedback sobre a sua participação no processo seletivo, tendo sido aprovados ou não.
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