domingo, 24 de agosto de 2008

Repórter relata o que acontece no escurinho do cinemão

Por João Marinho


Rola no ESCURINHOUm passeio pelos cinemas de pegação pode ser bem mais animado e complexo do que imaginamos. João Marinho foi a alguns e conta o que realmente rola no escurinho do cinema...Dia 25 de janeiro deste ano. Decidido a curtir a metrópole, eu, como muitos outros, saí à tarde para pegar um cineminha... Eram quase 16h. O filme já tinha começado, mas não havia problema. Eles todos têm a mesma temática e se repetem ininterruptamente, em seqüência.Como eu havia acabado de sair do sol, minha visão não conseguia distinguir nada. Sentei mais ou menos no meio da sala, na cadeira da ponta, e esperei. Um vulto se aproximou e um par de peitos enormes avançou em meu rosto. "E aí, tudo bem?". "Tudo, e com você?". "Tudo bem, gatinho. Quer gozar?". Era uma travesti. "Não, não. Obrigado moça", respondi. Ela sai sorridente e educada.Pouco tempo depois, um homem senta logo atrás de mim. Parece ser maduro. Olho para trás. A visão está melhor, mas não 100%. No entanto, é o suficiente para perceber que ele segura algo grande e brilhante nas mãos. Chamo-o para perto. Ele vem. "Olha, sei que isso é pra mim, mas cheguei agora e não tô enxergando nada". "Se quiser, sento aí do lado". "Melhor esperar".Não, não se trata de um cinema qualquer. Estou em um cine pornô, o popular cinema de pegação ou cinemão - e o leitor não estranhe minha desenvoltura. Não era a primeira vez. Desde que A Capa havia me pautado para uma reportagem sobre o assunto, já tinha comparecido seguidamente às "sessões". A idéia: fazer um jornalismo gonzo. Basicamente, significa que o repórter tem de se envolver, participar - até o limite do bom senso - e registrar a experiência em primeira pessoa. Resolvi, portanto, prescindir da recorrência a especialistas e me centrar mais no que os freqüentadores me relataram e no que vivenciei naquele ambiente escuro, decadente e malcheiroso.Regra nº 1: higiene e apresentação não são os fortes de um cinemão. Em geral, os locais são construções antigas e/ou mal conservadas. É comum haver cadeiras quebradas e bancos rasgados. No centro de São Paulo, dois deles me chamam a atenção. São enormes, têm telas gigantes, salas de projeção imensas. Um deles tem saídas de emergência separadas. As placas ainda indicam: "damas", de um lado; "cavalheiros", de outro.Eles nem sempre foram pornôs e já foram freqüentados por famílias, numa época em que cinema não ficava em shopping e era um programa especial, para usar a melhor roupa. Hoje, nos banheiros, difícil não se incomodar com o cheiro de urina, e, com menos freqüência, fezes. No chão das salas, o acúmulo de papel higiênico usado, camisinha e esperma é inevitável - fruto dos orgasmos constantes. Com a falta de sorte adequada, é possível até escorregar numa poça, como aconteceu comigo. Claro que a direção se preocupa em limpar, mas a freqüência nunca é suficiente, a fora que os produtos usados não parecem ser de primeira linha.É principalmente higiênico o argumento dos gays que se opõem ao cinemão ou deixaram de ir. "Essa de transar com quem você não vê direito me causa estranheza. Fora que, em quase todos, as condições de higiene são bem precárias", diz Carlos Eduardo, 24, que não gostou de ter conhecido o ambiente. Era sua primeira vez no cinemão.Então, por que outros vão? "Creio que pra transar. No meu caso, tem um atrativo a mais. Gosto de ver os filmes mais antigos e adoro trepar com gente vendo", revela Marcus, curitibano que, de vez em quando, freqüenta cinemões em sua cidade ou em São Paulo, quando está em viagem. Outro usuário do local, Rodolfo, 40, é mais prático. "Venho quando estou com vontade de fazer alguma coisa - e porque é rápido, mais garantido e mais barato".Quando Tito, 67, interpela a mim e a Rodolfo contando aventuras extravagantes, percebo outras compensações. Primeiro, quem é gay e freqüenta regularmente e trava amizades lá dentro. Às vezes, até heterossexuais participam desse coleguismo.Em segundo lugar, há uma democracia de corpos. A "ditadura da estética" parece dar uma trégua. Sim, se você for bonito e sarado, atrairá mais olhares - mas há uma incrível flexibilidade na avaliação física. Gordinhos, baixinhos, magricelas, idosos, feios, travestis, todos têm lugar sob o sol - ou sob a tela - e se entretêm sem muito esforço."Quem vai a um lugar desses pega qualquer coisa", critica Walter, 41, ao saber da reportagem. No entanto, pondera Carlos Eduardo e elogia o objetivismo e falta de carão: "é um ponto positivo em relação a outros lugares onde rola sexo, como nas boates".Regra nº 2: todo cinema pornô é, a rigor, ponto de "caçação" entre homens. Mulher é um ser raro. Apenas em três ocasiões, vi fêmeas na platéia. Na primeira, uma moça tinha ido com o namorado a um dos cinemões e os dois protagonizaram uma sessão de sexo explícito nas cadeiras, com direito a celulares iluminando. Certa hora, um jato estrangeiro de esperma acertou-lhe o braço. "Quem gozou no meu braço?! Vai limpar!", esbravejou ela. Ninguém se manifestou."Já vi mulher com o marido no cinema, dando pra vários", conta Marcus. Concordamos, no entanto, que isso não é muito comum. Em outra ocasião, que se repetiu várias vezes, é a de uma senhora que faz programas em um dos estabelecimentos. Tem cerca de 40 anos e arrasta uma perna. Costuma atender homens de mais idade. A fora isso, só vi mulheres em um único outro cinemão. No palco, em shows de strip-tease - mas algumas faziam programa nas cabines. Por sinal, foi o único cinema em que não vi pegação entre machos.Regra nº 3: todo cinema pornô é, também, local de prostituição tanto para garotos como para travestis. Programas são bastante recorrentes - mas, no cinemão, a prostituição é dominada mesmo pelos garotos e pelas bonecas. Se o estabelecimento não faz objeção, ambos convivem pacificamente e têm abordagens típicas. As travestis, caçadoras, costumam desfilar em volta das cadeiras pelos corredores, roupas apertadas ou sumárias. Esperam ser chamadas, mas não é raro que abordem diretamente, como aconteceu comigo.Já os michês preferem a armadilha. Geralmente bem-apessoados e de corpos trabalhados, sentam-se ou encostam-se nos corredores e tiram as "ferramentas" para fora. Quase passam por freqüentadores comuns, embora um olhar mais acurado perceba a insistência na exibição dos dotes físicos, o que pode incluir abdômen e peito nu. Assim que alguém morde a isca, revelam o preço.Contudo, há cinemas que mantêm restrições. Em um deles, não é permitida a entrada de homem "trajando roupas femininas". Em outro, a presença de michês é proibida. "Como eles sabem que michê é michê?", pergunto eu a Sávio, um conhecido que freqüenta ali e topou ser minha fonte. "Se pedir dinheiro, você pode ir à portaria e denunciar. Eles mandam a pessoa sair".Regra nº 4: cinema pornô é bem diversificado e são poucos os que se focam, exclusivamente, ao público gay; héteros também tem vez. Sávio me apresentou um dos únicos cinemas declaradamente gays que conheci. Há basicamente dois tipos de cinemão. Um tipo exibe apenas filmes héteros. "Se só vem mais veado aqui, porque passa filme de mulher?", questiona Ricardo, freqüentador do cinema em que a travesti me abordou, a Lucas, responsável pela bilheteria e projeção. "Pra agradar todo mundo", responde ele.Faz sentido. Numa sala hétero, misturam-se diferentes personagens. Há os "héteros restritivos", aqueles que se interessam somente pelo filme e em se masturbar. Há os "héteros liberais", muitos casados. Esses não se consideram "veados", mas não se importam em receber sexo oral ou penetrar outro homem ou uma travesti - ou estão lá exatamente para isso. Não vou entrar em detalhes sobre identidade e orientação sexual. É como eles se vêem.Por fim, há os gays (e bis), que vão à caça e se relacionam entre si ou "atendem" os héteros liberais, geralmente fazendo sexo oral ativo. O segundo tipo de cinemão exibe filmes héteros e gays, em salas de projeção separadas (apenas em um, no lugar de filme gay, vi um transexual) - e, geralmente, a sala gay é menor. Nesses casos, também há darkroom. "Todos que eu conheço que tem sala gay, tem darkroom", confirma Maurício. A palavra tem peso: o rapaz alto e branco conhece praticamente todos os cinemões do centro de São Paulo.O cinema "do Sávio", entretanto, tem o diferencial de exibir filme gay na sala principal e conta com toda a infra-estrutura para pegação, em moldes que lembram uma sauna ou sex club: barzinho, cabines, darkroom, glory holes. É também, de longe, o mais higiênico.Foi ali que minha ficha caiu e estabeleci diferenças entre a pegação numa sala gay e numa sala hétero. "São tímidos aqui, não? Ninguém chega em ninguém e não vejo o povo se chupando pros outros verem", comentei com Sávio. "Acontece. Depende do dia e da hora, mas assim, no aberto, é mais difícil mesmo. Rola mais no darkroom e nas cabines".Bingo! Nas salas onde passa filme gay, a abordagem sexual lembra a de uma sauna. Os homens são mais declarados nas insinuações. Eles "te secam" e passam as mãos nos genitais. No entanto, há um elaborado ensaio de olhares, e demoram a "chegar". A pegação "no aberto" existe - mas a tendência é arrastar o parceiro para um lugar mais privado ou mais escuro: dark, cabine, cantinho, banheiro. A pegação, em si, é demorada e intensa e envolve muitas áreas do corpo.Nas héteros, a abordagem é menos direta, afinal, a "presa" pode ser um hétero - restritivo ou liberal. Cerca-se mais, senta-se em cadeiras afastadas, dá-se voltas... Até haver certeza do interesse. A "embromação" não deixa de ser curiosa, considerando que geralmente há um em pé e outro sentado, cujo pênis se encontra à mostra em frenética masturbação.Entretanto, selado o encontro, vai-se ao extremo oposto. Às vezes, a dupla vai ao banheiro, por exemplo - mas, em geral, a ação se desenrola ali mesmo. Sexo oral na frente de todos, quando não uma penetração, para alegria dos voyeurs, embora alguns se sintam incomodados com eles. "Gosto de assistir e chego junto mesmo! Se quer privacidade, vai pro motel!", diz Ricardo.O sexo é rápido. "Os caras não gostam de muita esfregação... Já querem ir logo pros finalmente", diz Maurício, depois de me confirmar que meu insight sobre as diferenças estava certo.Regra nº 5: cinemão é cheio de regras e possui uma "geografia do pornô". As salas héteros são também interessantes por sua "topografia". Pode-se pensar nelas como um degradê. No sentido horizontal, quanto mais para o canto se senta o freqüentador, mais acessível à abordagem. No vertical, quanto mais perto da tela, mais hétero. Os héteros restritivos costumam sentar nas primeiras fileiras e no meio delas, pênis para fora, mas olhos grudados no filme. Nas pontas e seguindo rumo à parte de trás do cinemão, vêm progressivamente os que topam uma travesti ou um gay.Do meio para o fundo, a freqüência gay começa a predominar. As travestis já não desfilam tanto. Quanto mais ao fundo, mais gay. Fora das cadeiras, nos corredores perto da saída, o domínio é completo.É onde se vêem pegações mais completas, com beijos e abraços, mesmo quando ativo e passivo são bem divididos. Aliás, é também onde se evidenciam os "total flex", que normalmente não têm vez com os héteros ativos da frente.Claro que não é um dogma. Dá para flagrar um oral em plena primeira fileira. Também há héteros liberais que se arriscam nos fundos, onde a oferta de bocas pode ser maior. Há até quem faça um uso inusitado do cinemão: "Tem muita gente que vai pra dormir", conta Marcus.Nos fundos, é também onde a ocorrência de michês aumenta. Aproximei-me de alguns, para saber o preço. "Quanto você cobra?", pergunto a um boyzinho de boné, sentado em um dos cinemas. "Depende do que você quer fazer". "Chupar", arrisco. "São R$ 10". "Tá caro, não?", barganho. "Não tá, não. Lá fora, cobra-se mais. Pode conferir".Deixo o michê e vejo que um homem moreno se aproxima dele. Sento duas fileiras à frente, para fazer a "linha voyeur", mas o possível cliente hesita. Aproveito para puxar papo com outro voyeur, sentado logo atrás de mim. Ao meu toque, ele se encolhe. "Calma! Não vou pegar no seu pau!". Certamente passivo, ele se chama Fábio. Sorri e iniciamos a conversa comentando da transa que, afinal, não acontece.Regra nº 6: no cinema pornô, a principal forma de comunicação é a não-verbal. O lugar onde se senta, pegar ou não no próprio pênis, colocá-lo ou não para fora, sarrar ou não um bumbum, permitir-se ser tocado e onde, estalar a língua, encarar ou fugir do olhar, masturbar-se provocantemente ou não... Tudo isso passa informações sobre preferências, interdições e permissões.Bem, eu devia estar certo sobre o preço, pois, além do moreno, outros rapazes passam pelo michê e ninguém topa o serviço. Comento com Fábio que vou tentar um desconto. Converso com o michê e volto. "E aí?", pergunta Fábio. "Agora, ele topa ser chupado por R$ 5". Em outros cinemas, descubro que essa flutuação de preço não é incomum.Conversar com michês revela-se uma boa forma de colher informação. Em um dos cinemas, pergunto a um negro, que se intitula Carioca: "É comum pedirem pra chupar você de camisinha?". "Lógico. Muitos pedem, sim, ou eu mesmo já ponho - mas muitos outros não pedem nada"."Em cinemão, rola muita gozada na boca, e, algumas vezes, o povo faz bare[back]", diz Marcus, o curitibano. Não duvido, mas não cheguei a ver bareback em minhas expedições. Nem drogas. Quanto à gozada na boca, é freqüente.Entretanto, paradoxalmente, o cinemão foi também o lugar em que mais vi a adoção de camisinha no sexo oral. "O cara disse que não curtia chupada com camisinha. Disse pra ele que bicha que engole porra já tinha tudo ido embora", conta Ricardo. A maior parte dos cinemões vende preservativos a preços baixos, entre R$ 0,50 e R$ 2.Realizo alguns testes para comprovar a tese. Alguns bem-dotados se oferecem e digo que só chupo de camisinha. A exigência é encarada como natural na maior parte das vezes. Se eu chupei? Bom, deixo isso a cargo da imaginação do leitor...*João Marinho realizou esta reportagem após visitar regularmente oito cinemões de São Paulo e conversar com freqüentadores e ex-freqüentadores informalmente como igual, normalmente sem se identificar como repórter a trabalho. Todos os nomes são fictícios e não têm sobrenome, pois essa informação não é usualmente dada num cinemão.


*Matéria originalmente publicada na edição 11 da revista A Capa

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